On ne damos quase nunca conta.
Caminhamos para ir trabalhar, para apanhar um autocarro, para atravessar o átrio de uma estação. Fazemos ziguezagues entre as pessoas, resmungamos por dentro contra “os que andam a pastelar” ou “os que disparam como se estivessem atrasados para a própria vida”. E, no entanto, por detrás desta forma de andar que parece banal, os investigadores vêem algo completamente diferente. Para eles, cada passo conta uma parte da nossa personalidade. Não apenas a nossa forma física, nem a nossa agenda. O nosso temperamento profundo, a nossa maneira de lidar com o mundo, a nossa relação com o tempo. E quem anda mais depressa do que a média parece, quase sempre, partilhar os mesmos traços escondidos.
Numa manhã de chuva miudinha em Londres, os guarda-chuvas formam uma espécie de bailado caótico. Os passeios estão cheios, as pessoas esbarram-se com delicadeza sem se olharem. Uma mulher de casaco bege abre literalmente caminho pela multidão, mala a tiracolo, auscultadores bem enfiados, olhos fixos em frente. Ao lado dela, um estudante arrasta os pés enquanto faz scroll no telemóvel, como se o tempo lhe pertencesse. Entre os dois, uma mãe hesita, empurrando o carrinho a uma velocidade média, presa entre a urgência e o cansaço.
Para um olhar comum, é apenas uma cena urbana banal. Para um investigador em ciências do comportamento, é quase um estudo ao vivo. A cadência, a amplitude dos passos, a forma de abrir caminho dizem muito. E os que andam depressa parecem seguir um guião muito específico.
O que a velocidade a que caminha revela sobre si
Os psicólogos que observam a marcha em contexto urbano deparam-se muitas vezes com o mesmo padrão: os rápidos têm um perfil surpreendentemente coerente. São frequentemente descritos como mais extrovertidos, mais determinados, com um forte sentido de eficácia pessoal. Não gostam de perder tempo, nem em filas de espera, nem nos próprios pensamentos. A sua marcha parece uma agenda mental a correr a toda a velocidade.
Em vários estudos feitos em ruas reais, as pessoas que andam mais depressa do que a média revelam também ser mais conscienciosas. Não necessariamente mais simpáticas, nem mais felizes, mas mais estruturadas. Planeiam, antecipam, fixam objectivos. O corpo avança rápido porque o cérebro já vai três esquinas à frente. A sensação de urgência torna-se quase um modo de vida.
Encontra-se ainda nelas uma forma de impaciência crónica. Não obrigatoriamente agressiva ou ruidosa, mas uma tensão discreta: a sensação de que cada segundo conta. Esta maneira de andar conta, muitas vezes, uma relação com o tempo que roça a obsessão. Um tempo comprimido, contado em tarefas a cumprir em vez de momentos para saborear.
Em Nova Iorque, investigadores cronometraram a velocidade dos transeuntes em passeios muito movimentados. Resultado: três perfis reaparecem constantemente. Os lentos, muitas vezes mais velhos ou mais descontraídos. Os médios, que seguem o fluxo. E os rápidos, que o quebram por completo. Um homem de fato, telemóvel na mão, avançava a uma velocidade claramente superior à média do passeio, como se estivesse a atravessar uma estação com 20 minutos de atraso.
Em várias cidades, os investigadores notaram que os caminhantes rápidos tendem a viver em ambientes mais competitivos, mais densos e também mais ricos. Declaravam com maior frequência ter um trabalho exigente, responsabilidades e um nível de stress mais elevado. Todos já passámos por aquele momento em que percebemos que estamos a andar mais depressa do que o habitual só porque temos a cabeça cheia.
Outro estudo, feito com pessoas idosas, mostrou uma ligação intrigante: quem conseguia manter um ritmo rápido por mais tempo ao longo da vida parecia também estar mais protegido contra certos declínios cognitivos. Nada de mágico, nada garantido. Mas uma coerência: corpo e mente parecem seguir a mesma cadência. Os caminhantes rápidos não estão apenas com pressa - muitas vezes estão mentalmente “à frente”.
Do ponto de vista comportamental, a marcha rápida reflecte muitas vezes uma forte orientação para objectivos. Estas pessoas funcionam com listas mentais de tarefas, mesmo sem se darem conta. Priorizam, avaliam o tempo necessário, ajustam a passada em função das obrigações. O cérebro funciona como um GPS em modo contínuo, a recalcular o trajecto sempre que surge um imprevisto.
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Os psicólogos falam por vezes de “time urgency”, essa impressão permanente de que o tempo passa mais depressa do que conseguimos acompanhar. Nos caminhantes rápidos, não é apenas uma impressão: o corpo adopta literalmente esse ritmo. Atravessam um passeio como se gerissem um projecto: rapidamente, com eficiência, contornando obstáculos.
Claro que a personalidade não explica tudo. A saúde, o nível de fadiga, a cultura urbana também contam. Mas quando vários estudos encontram os mesmos traços - elevada conscienciosidade, orientação para o desempenho, um ligeiro nível de impaciência - em quem anda mais depressa, o acaso começa a perder força. A velocidade da marcha torna-se então uma espécie de espelho, um indício discreto da forma como habitamos o nosso dia.
É possível mudar a sua forma de andar… e o que ela transmite?
Se a sua passada denuncia a sua relação com o tempo, pode brincar com esse “ajuste” como quem mexe no volume. Um método simples é praticar “micro-variações” de velocidade no quotidiano. Escolha um percurso que faz com frequência - por exemplo, o caminho entre o escritório e o metro.
Num dia, ande deliberadamente mais depressa do que o seu ritmo natural, mantendo uma respiração confortável. Repare no que acontece na sua cabeça: os pensamentos aceleram também? No dia seguinte, faça o contrário. Acalme deliberadamente a cadência, deixe alguém ultrapassá-lo sem resistir. Observe o seu diálogo interior, essa voz pequena que comenta tudo.
Com o tempo, percebe se a sua marcha rápida é uma escolha ou um reflexo defensivo. Alguns descobrem que aceleram para fugir ao tédio; outros, para se darem a ilusão de controlo. Brincar assim com a velocidade a que se anda é experimentar, com suavidade, outra forma de viver o dia - sem ter de virar a vida do avesso.
Para quem anda mesmo muito depressa, o corpo por vezes envia sinais que a cabeça se recusa a ouvir: fadiga muscular permanente, maxilar apertado, respiração curta logo nos primeiros metros. Estes marcadores de stress leve, mas contínuo, instalam-se de forma insidiosa.
Uma dica simples é associar certos lugares a um “modo de marcha” específico. Por exemplo, decidir que ao entrar num parque, numa rua residencial ou num corredor de casa, se adopta um ritmo 20% mais lento. Não tanto para “relaxar à força”, mas para oferecer ao cérebro uma variação de ritmo.
Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias. Esquecemo-nos, voltamos ao fluxo, corremos para apanhar o autocarro. Mas mesmo uma ou duas vezes por semana, esta mudança intencional de velocidade pode tornar-se um pequeno alarme suave, um lembrete: “Tens o direito de não viver cada passeio como se fosse um sprint”.
Os investigadores em ciências do comportamento resumem muitas vezes este fenómeno assim:
“A forma como nos deslocamos no espaço reflecte a forma como nos deslocamos na vida. Acelerar ou abrandar o corpo é, por vezes, reescrever - um pouco - o nosso guião interior.”
Se quiser testar de forma concreta esta ligação entre ritmo e mente, pode criar um mini-protocolo à sua medida:
- Escolher um percurso repetitivo (estação, escola, escritório)
- Observar o seu ritmo natural durante 3 dias, sem o modificar
- Anotar duas palavras-chave sobre o seu estado de espírito à chegada
- Na semana seguinte, caminhar 15% mais devagar nesse mesmo percurso
- Comparar as suas impressões, sem julgamentos, apenas por curiosidade
Esta abordagem não pretende transformá-lo “na pessoa que anda sempre zen”. Ninguém quer tornar-se uma caricatura. Serve sobretudo para iluminar um comportamento automático. Quando o vê, ganha uma escolha. E a escolha, em psicologia, muda muitas vezes muito mais coisas do que a velocidade em si.
Quando um simples passeio se torna um espelho interior
No fundo, a questão não é saber se andar depressa é “bom” ou “mau”. Alguns estudos mostram que os caminhantes rápidos têm por vezes uma vantagem física, melhor condição e uma projecção mais clara dos objectivos. Outros sublinham a sua tendência para o stress, a impaciência e a sensação de que a vida é sempre uma lista de coisas a assinalar.
O que realmente intriga é esta coerência que se repete de cidade em cidade, de país em país. As grandes metrópoles concentram passos rápidos, personalidades orientadas para o desempenho, agendas comprimidas. Os lugares mais tranquilos acolhem muitas vezes ritmos mais descontraídos, prioridades diferentes, uma relação com o tempo menos guerreira.
A caminhada torna-se então mais do que uma simples deslocação. É quase uma escrita discreta da nossa psique no asfalto. Uns avançam como quem assina um contrato; outros, como quem vira as páginas de um romance. A sua velocidade de marcha no momento pode denunciar cansaço, um projecto secreto, uma preocupação que ainda não verbalizou.
Nada obriga a transformar cada passeio numa análise psicológica. Mas prestar atenção à cadência dos passos é dar-se uma oportunidade rara: ver por fora aquilo que, normalmente, só acontece por dentro. Não é uma receita milagrosa - apenas um pequeno espelho móvel, colado à sola dos seus sapatos. Cabe a cada um decidir se quer espreitar ou continuar a avançar, sem olhar para trás.
| Ponto-chave | Detalhe | Interesse para o leitor |
|---|---|---|
| Velocidade da marcha e personalidade | Os caminhantes rápidos apresentam frequentemente traços comuns: elevada conscienciosidade, impaciência, forte orientação para objectivos. | Reconhecer-se (ou não) nestes perfis e compreender melhor a própria relação com o tempo. |
| Influência do contexto | Ambientes urbanos densos e competitivos favorecem ritmos mais rápidos e um sentimento de urgência permanente. | Relativizar o comportamento, enquadrando-o num contexto social e geográfico. |
| Alterar o ritmo, testar a mente | Brincar deliberadamente com a velocidade da marcha permite observar o impacto directo nos pensamentos e no estado emocional. | Dispor de uma ferramenta simples para ajustar o ritmo interior no dia a dia. |
FAQ:
- Pergunta 1: Andar depressa significa necessariamente que estou stressado(a)?
Nem sempre. Uma marcha rápida também pode reflectir boa forma física ou um temperamento energético. O stress nota-se sobretudo quando essa velocidade se torna rígida, impossível de mudar sem mal-estar interior.- Pergunta 2: Os estudos sobre velocidade da marcha e personalidade são mesmo fiáveis?
Mostram tendências fortes, repetidas em vários países, mas continuam a ser estatísticos. Não “adivinham” o seu carácter individual; desenham probabilidades e perfis médios.- Pergunta 3: Se eu ando devagar, isso quer dizer que sou preguiçoso(a)?
Não. Um ritmo lento pode resultar de cansaço, dores, de uma escolha de vida mais contemplativa, ou simplesmente de um dia sem energia. A preguiça é um julgamento moral muito mais amplo do que alguns passos medidos.- Pergunta 4: É mesmo possível mudar a personalidade ao mudar a forma de andar?
Mudar a marcha não transforma magicamente o carácter, mas pode influenciar o humor, o nível de tensão e alguns automatismos. É uma pequena alavanca entre outras - por vezes muito reveladora.- Pergunta 5: Como saber se a minha velocidade a caminhar está “dentro do normal”?
Pode simplesmente observar: é, muitas vezes, quem ultrapassa toda a gente, ou quem é ultrapassado constantemente? Esta percepção chega perfeitamente para se situar, sem cronómetro.
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