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“Deixaram-nos três cães e uma caixa de ração, dizendo ‘boas férias’”: o cinismo de alguns abandonos choca os voluntários.

Dois cães de costas olhando para um carro estacionado, com malas e uma bolsa ao lado, numa rua arborizada.

Cenas impressionantes expõem um cansaço social e responsabilidades evitadas.

Numa associação da zona de Saint-Hubert, um episódio cristalizou este desvio. Um carro parou, carregado de malas. Três cães saíram, com uma caixa de paté na mão. Duas palavras ditas, depois o carro desapareceu.

O gesto que choca os voluntários

Nessa manhã, os voluntários preparavam-se para um dia já repleto. As portas ainda não estavam totalmente abertas quando uns donos deixaram três cães, sopraram “boas férias”, e seguiram viagem. Sem olhar para trás. Sem boletim de saúde. Sem uma palavra de explicação. A cena deixou a equipa KO, que teve de passar imediatamente para o modo de urgência: avaliar o estado de saúde, hidratar, isolar, acalmar.

Três cães, uma caixa de paté, duas palavras. Uma cena breve que anula meses de trabalho pelo bem-estar animal.

Para além do gesto, é a indiferença que mais impressiona. “Quando assistimos a isto, percebemos até que ponto alguns tratam o animal como um objeto. Deixa marca em toda a equipa”, confidencia um voluntário, que prefere manter o anonimato por precaução.

Acolhimento e testemunhos

A história do Bruno

Entre os três cães, Bruno, um labrador de cinco anos, não parava de tremer. Recusava água. Ficava à porta à escuta. A equipa colocou-o num box calmo, com um cobertor e um brinquedo com som para diminuir o stress. Os primeiros exames afastaram risco de vida imediato mas confirmaram ansiedade grave. Os voluntários instituíram rotinas fixas: refeições às mesmas horas, pessoas de referência constantes, passeios curtos e frequentes. Ao fim de alguns dias, Bruno deixou de ofegar. Finalmente abanou a cauda. Um detalhe, mas uma viragem na sua reabilitação.

A reação do abrigo

O abrigo ativou o seu protocolo de “afluxo”. Check-up veterinário, pesagem, hidratação progressiva, ração altamente digerível. Cada cão recebeu um plano individual: antiparasitários, testes de doenças, avaliação comportamental. Foi ainda criado um grupo de apoio interno para os voluntários, abalados pela carga emocional. “Aguentamos graças à equipa e às adopções. Sem saídas regulares, não conseguimos”, resume uma responsável de acolhimento.

Um animal abandonado soma sofrimento e riscos de saúde. A primeira hora é crucial: água fresca, calma, contacto humano controlado.

Um pico sazonal em crescimento

Todos os verões, o número de abandonos aumenta. As férias aceleram o fenómeno. Os abrigos testemunham-no há anos e falam de um “ciclo” difícil de quebrar. Segundo associações, cerca de 100 000 animais são abandonados todos os anos em França. Os gatos continuam a ser os mais numerosos, mas os cães são os casos mais visíveis devido ao impacto logístico e à necessidade de espaço.

  • Mudanças não previstas e alojamentos que não aceitam animais
  • Orçamento de férias subestimado e dificuldade em encontrar soluções de alojamento
  • Problemas comportamentais não resolvidos atempadamente
  • Ninhadas indesejadas devido à falta de esterilização

Os abrigos insistem: abandonar não resolve nada. Apenas transfere o problema para equipas já sobrecarregadas e fragiliza animais muitas vezes sensíveis à mudança.

Consequências para os animais e para as equipas

Para os animais, o abandono desencadeia uma cascata: stress agudo, distúrbios digestivos, perda de apetite, comportamentos defensivos. Os cães que viviam em família perdem as suas referências e podem desenvolver hipervigilância. Os gatos escondem-se, deixam de fazer a higiene, podendo até desenvolver dermite.

Para as equipas, o choque soma-se à logística. É preciso abrir boxes, gerir quarentenas, financiar cuidados. Os veterinários parceiros recebem mais urgências, especialmente nas ondas de calor. Os orçamentos ficam mais apertados. As listas de espera aumentam.

Abrigos lotados significam menos tempo por animal, mais isolamento e maior risco de atrasos nos cuidados.

Leis, sanções e responsabilidades

O enquadramento legal evoluiu. Abandonar um animal doméstico é crime. Os juízes podem aplicar até três anos de prisão e 45 000 euros de multa, agravando-se se houver maus-tratos ou morte do animal. A identificação por microchip ou tatuagem é obrigatória para cães e gatos. De acordo com a lei recente, cada adoção ou compra implica um certificado de compromisso e conhecimento, para lembrar necessidades, custos e responsabilidades.

Abandono = crime. Até 3 anos de prisão e 45 000 € de multa. Identificação obrigatória e certificado de compromisso.

Agir: soluções concretas e acessíveis

Antes de partir, existem várias opções. Custam menos do que abandonar e evitam um trauma duradouro.

SoluçãoCusto indicativoPrazo de reservaPrincipal vantagem
Pensão para cães/gatos15 a 35 € / dia conforme a regiãoDe 2 a 6 semanas antes do verãoApoio profissional, passeios e cuidados
Petsitter em casa12 a 25 € / visita ou 25 a 50 € / dia1 a 4 semanasAnimal fica no seu ambiente
Troca de cuidados entre vizinhosGratuito ou baixo custoAlguns diasSolidariedade local e flexibilidade
Família de acolhimento voluntáriaGeralmente gratuitoVariável conforme a associaçãoAcompanhamento, socialização
  • Preparar um kit de viagem: boletim de saúde, tratamentos, arnês, açaime se necessário, taças dobráveis, água.
  • Atualizar a identificação e o telefone na ficha I-CAD.
  • Testar a estadia por uma noite antes de um período mais longo.
  • Pedir ao veterinário um plano anti-stress (feromonas, rotinas, dieta).

Check-list antes das férias

A preparação das férias faz-se como um projeto familiar. Uma hora a preparar evita semanas de sofrimento ao animal.

  • Incluir o orçamento de “guarda” ao comprar bilhetes ou reservar alojamento.
  • Confirmar se o alojamento aceita animais e em que condições.
  • Vacinas e antiparasitários agendados pelo menos quinze dias antes.
  • Ensinar o animal a ficar sozinho algumas horas para reduzir a ansiedade de separação.
  • Fazer uma ficha de hábitos para quem for cuidar do animal (horários, sinais de stress, preferências alimentares).

Porque estas cenas se repetem

Os abrigos apontam três pontos cegos: o custo real de um animal é subestimado, falta de educação comportamental e ideia do “presente” ao adquirir crias. Uma adoção falhada começa muitas vezes numa escolha errada de espécie ou raça face ao estilo de vida. Um cão enérgico num estúdio sem passeios acaba infeliz. Um gato não identificado desaparece e torna-se impossível de localizar. A prevenção deve começar antes da adoção, com conversas francas sobre tempo disponível, orçamento e acesso a espaços exteriores.

Informações úteis e conselhos complementares

O calor e o transporte apresentam riscos graves. Um animal pode sofrer um golpe de calor em poucos minutos dentro de um carro estacionado, mesmo com a janela aberta. Prefira viajar cedo de manhã ou ao fim do dia, dê água frequentemente e faça pausas à sombra. Tapetes refrescantes e coletes húmidos ajudam cães braquicefálicos.

Esterilizar reduz fugas, marcações e ninhadas indesejadas. Diminui também certos riscos de saúde. As associações por vezes organizam campanhas a preços solidários. Um simples telefonema basta para obter o calendário e marcar vaga.

Prevenir, identificar, esterilizar, socializar: quatro reflexos que salvam vidas e aliviam os abrigos.

Por fim, cada um pode apoiar o seu abrigo local: doar mantas, produtos de limpeza, ração adequada ou algumas horas por mês. O efeito é real. Três voluntários extra numa manhã permitem abrir mais boxes, dar mais passeios e preparar adoções mais seguras para cães como o Bruno.

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