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Está confirmado: o Tribunal de Contas denuncia grandes fraudes com fundos enviados para Marrocos e Argélia.

Homem e mulher conversam em frente a mapa-múndi com dados numéricos e gráficos, em ambiente de escritório.

O Tribunal de Contas alerta: as falhas são reais, repetidas, dispendiosas. Não se trata de um boato de café, está escrito preto no branco. As quantias em jogo vão além do simples «acidente» administrativo. E as histórias que chegam do terreno contam o mesmo: sistemas pensados para a confiança, usados por alguns para serem abusados.

Numa sala de atendimento, numa terça-feira de manhã, vi um funcionário de caixa a folhear dossiês com ar cansado. Assinalou um nome que aparecia duas vezes, dois endereços, dois países e uma transferência que não parava, apesar de um óbito declarado na aldeia (mas ainda não comunicado na cadeia de tratamento). Ao lado, uma reformada tentava perceber porque é que o seu certificado de vida tinha sido recusado na plataforma: fotografia demasiado escura, prazo muito curto. São pormenores, mas custam caro. O fio desenrola-se.

O que revela o Tribunal de Contas

O Tribunal de Contas fala de um acumular de falhas que abre a porta a «pagamentos indevidos» para o estrangeiro, e cita nominalmente Marrocos e Argélia como destinos de risco elevado. Nada de anedótico: controlos de existência imperfeitos, registos civis desiguais, atrasos nas trocas com os consulados e circuitos de pagamento que continuam por inércia. O termo é duro mas assumido: fraudes massivas porque repetidas, por vezes organizadas, e pouco travadas na origem. Por trás dos números, uma realidade: quando o processo não é fiável, aumenta a tentação de o contornar.

Os exemplos apresentados pelos magistrados financeiros são familiares para quem trabalha em processos exportados. Pensões de reforma pagas durante meses após um falecimento não registado, abonos de família mantidos com base em registos civis que não são cruzados, identidades «gémeas» que passam entre as malhas dos ficheiros. Mais de 1,1 milhão de pensões pagas fora de França por ano: com tal volume, a menor falha custa milhões. Em alguns departamentos, células «anti-fraude» detetam grupos de indevidos ligados a certificados de vida em papel, fotocopiados, depois reenviados repetidamente. Todos já passámos por aquele momento em que um pequeno erro se transforma num grande problema.

No fundo, o mecanismo é simples. Os pagamentos legítimos existem e continuam a ser a norma, impulsionados pela mobilidade e pelos acordos bilaterais. As fraudes surgem de três pontos críticos: autenticação inicial, prova de vida periódica e atualização de eventos (nascimento, morte, saída). Enquanto a interoperabilidade entre caixas, juntas, consulados e registos estrangeiros não for fluida, a cadeia tem fugas. Os burlões organizados aproveitam o tempo dos controlos, as duplas identidades, as zonas brancas digitais. Resultado: fundos que saem, não voltam, e a confiança geral é afetada. É aí que tudo se decide.

Como se corrige, na prática

O método mais fiável começa pela existência, não pelo papel. Reforçar o certificado de vida num modo digital seguro, com registo de prova biométrica em tempo real e marcação temporal partilhada entre caixas e serviços diplomáticos. Cruzar sistematicamente registos: INSEE para óbitos, caixas de reforma, CAF, bases de registo civil dos países parceiros via plataformas validadas. Programar um «corta-circuito»: ausência de prova de vida válida na data limite é suspensão temporária, depois reativação rápida após validação, sem penalizar os verdadeiros beneficiários. A ideia não é suspeita, é fiabilidade.

No atendimento, por vezes basta um aviso. Famílias, comuniquem um óbito logo que ocorre, ao consulado e à caixa pagadora, mesmo que a junta da aldeia demore a enviar a certidão. Reformados, verifiquem o vosso acesso online e testem o envio da fotografia alguns dias antes do prazo, e não na véspera. Sejamos honestos: ninguém faz isto diariamente. Mais vale um lembrete por SMS ou alerta via FranceConnect do que desesperar perante uma aplicação caprichosa. Do lado das caixas, evitar a acumulação de comprovativos e preferir um só fluxo fiável, com registo de data/hora e auditável.

O Tribunal não condena países, identifica pontos cegos. Pede mais acordos técnicos, menos promessas e controlos que travem rapidamente os esquemas conhecidos.

«O problema não é Marrocos ou Argélia, é a cadeia de controlo: enquanto for incompleta, gera mecanicamente pagamentos indevidos.»

Eis um memo simples para orientar ações úteis:

  • Número de identidade único e verificado na abertura de direitos, com registo biométrico.
  • Prova de vida digital anual, controlada na origem, partilhável entre entidades.
  • Trocas mensais de eventos de registo civil por canais seguros e testados.
  • Sanções graduais direcionadas aos esquemas, não aos beneficiários de boa fé.

E agora?

A conversa vai além dos «burlões» e dos «cidadãos honestos». Fala de nós, da forma como um sistema público adapta a confiança às mobilidades de hoje, com pais em França, avós na terra natal, filhos a viver entre dois mundos. Os magistrados identificam as falhas, mas também apontam o caminho: normalizar, interligar, simplificar procedimentos que perdem as pessoas. O tema é sensível porque toca no dinheiro de todos e na dignidade de cada um. Podemos gostar da ideia de solidariedade e querer controlos rigorosos. As duas coisas são compatíveis. E se transformássemos este dossiê numa montra de serviço público que verifica sem humilhar, que paga depressa os direitos legítimos e corta cedo os fluxos indevidos, serenamente?

Ponto chaveDetalheInteresse para o leitor
Controlos de existênciaCertificado de vida digital, biometria, marcação temporal partilhadaPerceber como evitar suspensões ou atrasos
InteroperabilidadeTrocas automáticas entre caixas, INSEE, consulados e registos estrangeirosSaber porque surgem pagamentos indevidos e como travá-los
SinalizaçãoCanais para declarar óbitos, anomalias e usurpação de identidadeAgir rapidamente, proteger direitos, travar fraudes

Perguntas Frequentes (FAQ):

  • Que prestações estão abrangidas pelos pagamentos para o estrangeiro? Principalmente pensões de reforma e algumas prestações familiares no âmbito de acordos. Os apoios não exportáveis ficam bloqueados ao território nacional.
  • Porque é que Marrocos e Argélia são citados? O Tribunal refere um risco maior devido ao volume histórico de pensões pagas e à lentidão nalgumas trocas de registo civil. A análise aponta as falhas do sistema, não as populações.
  • De que valores se fala? Milhões de euros em pagamentos indevidos todos os anos, segundo os controlos agregados. A maioria dos fluxos é legítima, mas a soma das falhas pesa no total.
  • O que fazer se um familiar reformado no estrangeiro tiver dificuldades com a prova de vida? Antecipar: testar o envio digital, recorrer a um consulado equipado, pedir apoio local e guardar comprovativos.
  • Como sinalizar uma fraude ou usurpação de identidade? Através da caixa respetiva (CAF, CNAV) ou da plataforma de sinalização do Ministério do Interior. Documentar factos, datas e referências de processo. Não se expor perante um esquema organizado.

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