On a todos vivido aquele momento em que damos por nós a pensar: “Porque é que a minha vida não se parece com aquilo que eu tinha imaginado?”
Juramos que, um dia, quando tivermos menos problemas, seremos realmente felizes. E, enquanto isso, procuramos o sofá mais confortável, a relação mais simples, o trabalho menos stressante. Só que um número crescente de psicólogos diz que é precisamente esta fuga permanente que nos deixa mais vazios, mais ansiosos, quase transparentes para nós próprios.
Um psicólogo americano, habituado a consultórios cheios de trintões exaustos, resume isto numa frase: “As pessoas que aceitam o sofrimento vivem, geralmente, vidas melhores e mais profundas do que quem procura conforto.” Não está a falar de masoquismo, nem de um culto tóxico da dor. Está a falar de outra postura perante a vida: dar espaço ao desagradável, ao difícil, ao que arranha por dentro. Esta ideia abala, sobretudo numa época que vende a facilidade como solução milagrosa. E se a verdadeira viragem não fosse aquilo que ganhamos… mas aquilo que aceitamos atravessar?
Porque fugir do desconforto nos arruína em silêncio
O psicólogo explica que a maioria dos seus pacientes não está quebrada por grandes traumas, mas por uma acumulação de pequenas fugas. Um conflito evitado aqui, uma conversa adiada ali, um sonho arrumado numa gaveta porque “é arriscado”. A vida torna-se uma espécie de autoestrada muito lisa, sem buracos, mas também sem paisagem que nos corte a respiração.
À força de procurar o caminho mais suave, anestesiamo-nos um pouco. Menos solavancos, sim. Mas também menos relevo. As emoções alegres achatam-se, a curiosidade cansa-se, o sentido dissolve-se. O conforto permanente acaba por parecer um quarto sem janela. Sentimo-nos seguros. Respira-se mal.
Peguemos numa cena comum. A Sofia, 34 anos, trabalha numa empresa onde toda a gente finge que está tudo bem. O chefe invade os fins de semana dela, e ela aguenta. Sonha lançar um projeto paralelo, e vai fazendo scroll no Instagram. Diz para si própria que “ainda não tem coragem”, que vai esperar pelo momento perfeito. Evita confrontos, noites em branco a duvidar, o risco de falhar.
Ao fim de dois anos, ela não colapsou. Leva a vida, paga as contas, ri de vez em quando. Mas acorda todas as manhãs com aquela ligeira sensação de aperto sem nome. O médico fala em cansaço, os amigos em “crise dos 30”. O psicólogo, por sua vez, vê ali um preço silencioso pago por uma existência demasiado amortecida. A Sofia não sofre muito. Mas também não vive verdadeiramente.
Os investigadores chamam a isto “evitamento experiencial”: a tendência para fugir de qualquer pensamento, emoção ou situação desconfortável. No momento, alivia. A longo prazo, empobrece a vida interior. Quanto mais fugimos do que dói, mais encolhemos o campo daquilo que ousamos viver.
O medo de sofrer torna-se o centro invisível das nossas decisões. Já não escolhemos o que importa; escolhemos o que dói menos. O psicólogo diz isto sem rodeios: muitas vidas modernas estão organizadas em torno do “anti-dor”. Notificações, distrações, entretenimento, planos B e C já prontos. Tudo para não sentir a queimadura da incerteza, da perda, da vulnerabilidade.
O resultado é paradoxal: a ansiedade aumenta. Quanto mais tentamos controlar, mais aquilo que nos escapa ganha espaço. Aceitar que uma parte do sofrimento vem no “pacote” da vida não é resignarmo-nos. É deixar de travar uma guerra interior impossível de ganhar.
Como aceitar o sofrimento pode elevar uma vida inteira
Para os psicólogos que trabalham com estas ideias, aceitar o sofrimento não significa aguentar tudo passivamente. Significa, antes, aceitar a “fatura emocional” daquilo que realmente importa. Amar alguém é aceitar o risco de o perder. Mudar de vida é aceitar noites de angústia. Educar uma criança é aceitar exasperação, medo, impotência.
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Eles observam que quem aceita esta fatura costuma viver vidas mais coerentes. Não são necessariamente mais felizes no dia a dia, mas os seus picos são mais altos e os seus baixos têm sentido. O sofrimento deixa de ser um “erro do sistema”: passa a ser o sinal de que estão a tocar em algo precioso ou frágil.
Um paciente conta, por exemplo, como deixou de procurar “o trabalho menos stressante possível” para finalmente lançar a sua pequena empresa de restauração. Os primeiros meses foram terríveis: medo de falência, insónias, comentários da família a dizer que ele era doido. Achava que tinha feito uma escolha errada, porque sofria mais do que antes.
Três anos depois, dorme melhor - não porque esteja tudo perfeito, mas porque as suas angústias estão alinhadas com aquilo de que gosta. “Antes, stressava por objetivos que não significavam nada para mim”, confessa. “Agora, quando estou exausto, ao menos sei porquê.” A vida dele é mais cansativa, sim. Também é mais cheia, mais à medida dele.
Os estudos sobre “tolerância ao mal-estar” apontam no mesmo sentido. As pessoas capazes de permanecer presentes perante emoções desagradáveis, sem se desligarem delas nem fugirem, tendem a ter melhores resultados escolares, relações mais estáveis e menos comportamentos de evitamento (dependências, compulsões, fuga constante para o trabalho ou para os ecrãs).
Não é magia; é mecânico. Quando deixamos de gastar toda a energia a evitar a menor dor, sobra energia para criar, amar, reparar, recomeçar. O conforto permanente tem um custo escondido: consome a nossa capacidade de desenvolver coragem.
O psicólogo insiste num ponto: aceitar o sofrimento não é glorificar situações tóxicas ou injustas. É reconhecer que, quando saímos de um trabalho destrutivo, não ganhamos apenas liberdade. Ganhamos também um pacote de dúvidas, medo do vazio, perguntas. Aceitar o sofrimento, aqui, é aceitar este preço a pagar para nos aproximarmos de uma vida mais justa para nós.
Formas práticas de deixar de perseguir conforto e começar a viver
Os métodos mais eficazes são muitas vezes os mais modestos. Um truque usado em terapia consiste em tomar cada decisão não perguntando “o que é que vai doer menos?”, mas “o que é que está mais alinhado com a vida que eu quero daqui a cinco anos?”. A nuance é enorme. Não se nega o sofrimento; apenas se volta a colocá-lo no seu lugar.
Outro gesto concreto: dar a si próprio todos os dias um “prazo de desconforto”. Cinco a dez minutos em que, voluntariamente, se permanece em contacto com algo irritante, triste ou angustiante, sem distrair. Uma fatura para encarar, uma mensagem difícil para reler, uma memória que aperta a garganta. O cérebro aprende, pouco a pouco, que consegue sobreviver a essas ondas sem fugir logo.
Muita gente acredita que “aceitar o sofrimento” significa tolerar tudo, aguentar tudo, sacrificar-se em silêncio. É aí que descarrila. Aceitar não é sofrer passivamente. É deixar de desperdiçar energia a negar o que já está aqui, para melhor mudar aquilo que pode ser mudado.
Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias, na perfeição. Todos recaímos em reflexos de fuga. Vemos episódios em barda em vez de falar. Arrumamos os desejos numa gaveta. Isso não faz de nós cobardes. Faz de nós humanos em aprendizagem.
O psicólogo incentiva a identificar três tipos de sofrimento: o que destrói, o que é inútil e o que constrói. O primeiro pede para sair, proteger-se, pedir ajuda. O segundo está ligado à ruminação, aos cenários catastróficos, às comparações tóxicas. O terceiro, mais raro, acompanha muitas vezes as coisas que importam: aprender, amar, criar, comprometer-se. É este último que ele propõe acolher com um pouco mais de gentileza.
“O sofrimento não é o inimigo”, afirma o psicólogo. “O inimigo é o sofrimento sem sentido. Quando deixas de fugir a cada desconforto, dás a ti próprio a hipótese de sofrer por alguma coisa.”
Para se orientar neste nevoeiro emocional, uma pequena estrutura pode ajudar:
- Identificar uma situação em que foge sistematicamente do desconforto (conversa, decisão, sonho adiado).
- Nomear a emoção exata: medo, vergonha, tristeza, raiva, vazio.
- Perguntar: “Este sofrimento destrói-me, prende-me ou constrói alguma coisa?”
- Decidir uma mini-ação de coragem (falar 5 minutos, enviar uma mensagem, escrever um plano).
- Anotar o que sente a seguir, mesmo que esteja confuso, sem julgar.
Nada disto é espetacular. É quase dececionante de tão simples. Mas é muitas vezes nestes micro-movimentos que uma vida deixa de ser conduzida pelo medo e volta a ser construída em torno do que realmente importa.
Uma relação diferente com a dor, um tipo de vida diferente
Esta ideia de que quem aceita o sofrimento vive melhor não é um slogan motivacional. É uma constatação dura, feita por quem ouve vidas inteiras a desenrolarem-se num sofá à sua frente. As existências mais densas não são as que tiveram menos coisas dolorosas. São, muitas vezes, as que permitiram que essas dores existissem - e depois fossem integradas.
A pergunta deixa de ser “Como evitar sofrer?”. Passa a ser “O que é que merece que eu sofra um pouco?”. Uma relação profundamente honesta. Um projeto pessoal que nos faz vibrar. Um compromisso que vai além da nossa vidinha. O conforto tem o seu lugar, claro, mas não é um rumo a seguir - é apenas uma paragem para recuperar o fôlego.
Viver com esta bússola muda a textura dos dias. Uma dificuldade no trabalho deixa de ser apenas um escândalo a evitar. Pode tornar-se um terreno de aprendizagem ou o sinal de que está na hora de sair. Um desgosto amoroso já não é só uma injustiça. É a prova de um vínculo real, de um risco assumido. O sofrimento não se transforma em alegria, mas deixa de ser uma culpa.
Num ecrã de telemóvel, entre duas notificações, esta reflexão pode parecer distante. E, no entanto, começa em coisas minúsculas: ousar dizer “não” enquanto tudo em nós treme, aceitar não estar bem durante algum tempo sem procurar uma solução imediata, falar com verdade com alguém em vez de representar o “está tudo bem” automático.
Da próxima vez que der por si a procurar o caminho mais confortável, a pergunta do psicólogo pode voltar a flutuar num canto da sua cabeça: “Estou a proteger a minha paz… ou estou a fugir da minha vida?”. As respostas nem sempre vêm logo. Constroem-se com o tempo, ao longo desses pequenos momentos em que aceitamos que a vida pica… para que tenha a hipótese de tocar no sítio certo.
| Ponto-chave | Detalhe | Interesse para o leitor |
|---|---|---|
| Aceitar o sofrimento não é sacrificar-se | É reconhecer a parte de dor ligada ao que realmente importa, sem glorificar a toxicidade | Escolher melhor as lutas e sair do que destrói em vez de aguentar tudo |
| O conforto permanente tem um custo escondido | O evitamento sistemático do desconforto reduz o sentido, a curiosidade e a coragem | Perceber porque é que uma vida “sem problemas” pode parecer vazia ou sufocante |
| Pequenos gestos mudam a relação com a dor | Decisões alinhadas com o longo prazo, “prazo de desconforto”, triagem dos sofrimentos (que destrói / prende / constrói) | Ferramentas concretas para deixar de fugir em automático e viver de forma mais profunda |
FAQ:
Aceitar o sofrimento significa que devo ficar numa situação tóxica?
De modo nenhum. Aceitar o sofrimento significa reconhecer que haverá sempre alguma dor, mesmo na mudança. Sair de uma relação ou de um trabalho tóxico vai doer, mas é um sofrimento que abre caminho, não que destrói.Como sei se um desconforto “vale a pena”?
Pergunte a si próprio se esse mal-estar o aproxima ou afasta da pessoa que quer ser daqui a alguns anos. Se serve os seus valores profundos, provavelmente faz sentido, mesmo sendo desagradável.O conforto não é necessário para a saúde mental?
Sim. O descanso, a segurança e os momentos suaves são essenciais. O problema começa quando o conforto se torna a única bússola, ao ponto de evitar qualquer situação que o possa fazer crescer.E se eu já estiver esmagado pela dor?
Nesse caso, a prioridade é reduzir o sofrimento inútil ou destrutivo, com ajuda profissional se possível. Falar de “aceitar o sofrimento” só faz sentido quando existe um mínimo de segurança interior e exterior.Esta abordagem pode mesmo tornar-me mais feliz?
Não garante uma vida sem dor. Abre a porta a uma vida mais coerente, em que o sofrimento deixa de ser apenas suportado e passa a estar ligado a escolhas com sentido para si. É muitas vezes aí que nasce uma forma de paz mais sólida.
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