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Se o senhorio não cumprir as formalidades, o inquilino não tem de pagar pelos danos causados na casa.

Dois homens a trocarem chaves numa sala com caixas de mudanças e mobília, luz suave e ambiente sério.

A resposta parece óbvia, mas depois a lei põe tudo em perspectiva. Segundo a justiça, se o proprietário se esquecer de uma formalidade essencial, o inquilino pode sair sem dever nada, mesmo que as paredes fiquem com marcas.

A cena passou-se numa sexta-feira à noite, cheiro a tinta fresca e caixas empilhadas à entrada. O senhorio chega atrasado, o inquilino entrega as chaves, os olhares fixam-se numa mancha escura perto do radiador. Hesita-se em comentar seja o que for. Sem documento, sem caneta, sem auto de vistoria de saída. Aperta-se a mão, corre-se para o metro, pensa-se que terminou. Duas semanas depois, chega um e-mail com orçamentos e uma ameaça quanto ao depósito de caução. Todos já passámos por aquele momento em que nos questionamos se será normal. Tudo depende de uma formalidade.

A formalidade esquecida que muda tudo

O direito ao arrendamento habitacional é claro: o auto de vistoria de saída deve ser realizado de forma contraditória, com ambas as partes presentes ou representadas, ou por um agente de execução em caso de recusa. Sem auto de vistoria de saída contraditória, presume-se que o imóvel foi devolvido em bom estado. É uma regra repetida pelos juízes, que altera o ónus da prova. Surpreende porque protege sobretudo o procedimento, e não a beleza da parede em si. Mas é isso que decide os litígios.

Exemplo muito concreto. O Mehdi devolve o seu estúdio com dois furos de bucha acima do sofá. O senhorio não organiza a vistoria de saída, recupera as chaves na caixa do correio e retém 450 € do depósito pela “reparação de pintura e tapamento”. O Mehdi contesta, recorre à comissão de conciliação e depois ao tribunal. Sem auto de saída assinado, nem relatório do agente de execução, o senhorio não consegue provar a dimensão dos “danos”. A decisão chega: devolução integral. Só o orçamento não bastou. É duro de aceitar quando se pagam as obras, mas é a lógica da prova.

Porquê este mecanismo? Porque o auto de vistoria, à entrada e à saída, é o instrumento com valor legal e enquadra a comparação. Protege tanto o senhorio como o inquilino. Sem auto de vistoria de saída: considera-se que se aplica o uso e desgaste normal pelo tempo, e que o resto não está comprovado. O senhorio podia convocar por carta registada com aviso de receção, marcar uma data, e se o inquilino não aparecesse, nomear um agente de execução. É este procedimento que “blinda” o processo, e não um e-mail posterior com fotos desfocadas.

Proteger-se de ambos os lados, sem crispação

Gesto simples: planear a saída como um mini-projeto. Enviar uma convocatória escrita com data e hora, preparar um modelo de auto de vistoria, tirar fotos datadas divisão a divisão, com as luzes acesas. Fazer um vídeo curto e contínuo, do teto ao chão, a dizer a data. Entregar as chaves contra recibo, ou por correio registado em caso de impedimento. Uma hora bem organizada evita três meses de trocas de mensagens tensas. E se a outra parte não comparecer, recorre-se ao agente de execução, que convoca formalmente e faz o relatório.

Erros frequentes? Entregar as chaves “de repente” no átrio, sem documento. Reter o depósito “para o caso” sem justificativos concretos. Achar que um auto de saída pode ser feito à distância por WhatsApp. Ou pensar que algumas fotos chegam. Sejamos sinceros: ninguém faz isto todos os dias. Entramos em pânico, improvisamos, esquecemos uma assinatura. Mais vale um papel imperfeito mas contraditório do que um processo “perfeito” mas unilateral, que ruirá em tribunal.

A regra não serve para apanhar ninguém desprevenido, mas para pacificar. Um relatório de agente de execução salva muitas vezes um processo que estava perdido.

“A ausência de auto de vistoria de saída vale presunção de entrega em bom estado. Quem reclama valores tem de provar, e sem documento contraditório, é muito complicado.” — Um agente de execução experiente
  • Convocação para a vistoria de saída: escrita, datada, enviada com antecedência, indicando alternativa de horário.
  • Recusa ou ausência: relatório de agente de execução, custo partilhado consoante o caso.
  • Depósito de caução: devolução em 1 mês se não houver retenção justificada, 2 meses se houver reparações orçamentadas.
  • Justificativos válidos: auto assinado, relatório, faturas ou orçamentos detalhados, fotos próximas e datadas.

O que esta regra muda na vida real

Esta regra põe todos em igualdade: sem prova contraditória, não há retenção. O inquilino respira, porque uma marca de uso não se transforma num rombo no orçamento. O senhorio também ganha, porque sabe o que fazer para garantir os seus direitos. O mais interessante é que este sistema incentiva o diálogo, a verem-se, a compararem com calma a entrada e a saída. Lê-se o auto linha a linha, veem-se as fotos, risca-se, comenta-se. E muitas vezes, encontra-se uma solução. A justiça não é uma ameaça, é uma bússola. No dia em que se aplica verdadeiramente, tudo se torna mais simples, quase óbvio.

Ponto-chaveDetalheVantagem para o leitor
Auto de vistoria de saída contraditórioPresença das duas partes ou relatório de agente de execuçãoEvita litígios e fixa a prova
Presunção na ausência de vistoriaO imóvel é presumido devolvido em bom estadoImpede retenções abusivas no depósito
Justificativos e prazosOrçamentos/faturas detalhados, devolução do depósito entre 1 e 2 mesesPermite antecipar a tesouraria e assegurar os seus direitos

Perguntas frequentes:

  • Qual é “a formalidade” que muda tudo? O auto de vistoria de saída contraditória, feito com o inquilino e o senhorio, ou por um agente de execução caso haja ausência ou recusa.
  • E se o inquilino recusar comparecer à vistoria de saída? O senhorio pode pedir um relatório a um agente de execução. A convocatória formal torna a prova oponível e evita a presunção de bom estado.
  • Fotos são suficientes para exigir despesas? Não, só por si. São úteis, mas sem auto de vistoria de saída ou relatório, são elementos unilaterais que os juízes geralmente não aceitam.
  • O que acontece se não houver auto de vistoria de entrada? A comparação torna-se difícil. Presume-se que o inquilino recebeu o imóvel em bom estado para as reparações locativas, mas a saída deve ser igualmente constatada de forma contraditória.
  • O senhorio pode agir mesmo em caso de grandes danos? Sim, se apresentar outras provas sólidas e contraditórias (relatório, peritagem). Sem auto de vistoria de saída, o grau de exigência é elevado e os pedidos costumam ser rejeitados.

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